A professora de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas analisa o momento conturbado do Brasil no plano sanitário, económico, social e político. Daniela Campello acredita que o Presidente Jair Bolsonaro continua com alguma popularidade, mas a crise financeira poderá ser o motivo para o início de um processo de impeachment.
Como avalia o desempenho de Jair Bolsonaro na gestão da pandemia no Brasil?
O desempenho do Presidente tem sido trágico porque tenta imitar as opções de Donald Trump nos Estados Unidos. Por um lado tenta desresponsabilizar-se pela crise sanitária porque diz que é um mal menor. Por outro, entende que os governadores são os culpados da crise económica. Neste último ponto a evidência empírica da ciência política mostra que a responsabilidade pertence ao Presidente, mesmo perante um problema exógeno, como é a Covid-19. No Brasil não existiu um apoio nacional em torno das decisões presidenciais.
Quais seriam os benefícios de haver um processo de impeachment contra o Presidente?
Neste momento um processo de impeachment seria complicado devido à concentração do poder nas mãos dos executivos. O Congresso não está a funcionar normalmente e os órgãos judiciais continuam a decidir de forma lenta. No Brasil a destituição de um Presidente pode acontecer sempre que exista uma crise económica, a falta de popularidade e problemas no Congresso. O aparecimento das duas últimas situações são uma resposta à primeira, como aconteceu no processo contra a Dilma Rousseff.
E no caso de Bolsonaro?
O Presidente perdeu alguma margem nas três condições, mas continua com bons níveis de popularidade. Neste momento, conta com o apoio de 20% a 25% dos eleitores evangélicos. No entanto, com a expectativa de haver bastante desemprego devido à gestão da pandemia, acredito que estão reunidas as condições para a saída de Bolsonaro.
O Congresso poderia ser mal visto por tentar iniciar uma crise política durante a pandemia?
O Congresso estaria a terminar uma crise política que iniciou-se no primeiro dia que Jair Bolsonaro tomou posse como o Presidente do Brasil. A política do confronto e da divisão é apenas proveniente do Palácio do Planalto.
Como analisa a postura dos militares?
É extremamente difícil saber o que pensam os militares porque não podem emitir opiniões de natureza política. Contudo, existe muita divisão entre aqueles que estão ativos. Também há divergências nos membros da reserva que pertencem ao governo e o Vice-Presidente, Hamilton Mourão. O silêncio dos militares relativamente ao apoio que podem dar tem beneficiado a manutenção de Bolsonaro no poder. O Presidente pretende transmitir a ideia que tem o suporte dos militares para condicionar as outras instituições. Os governadores estão a perder o controlo das polícias militares.
O que precisa de mudar no sistema brasileiro para evitar mais instabilidade política?
A principal mudança teria que ser efetuada no plano económico porque existe muita volatilidade nos preços que sobem e descem no mercado internacional. Nos períodos de bonança os líderes tentam permanecer mais tempo no poder por causa da popularidade, mas nas alturas de crise aumenta o descrédito nas instituições democráticas. A melhor forma de resolver o problema passa por criar um sistema fiscal que consiga estabilizar a economia, como acontece no Chile em que os governos são obrigados a guardar dinheiro em períodos positivos e a gastar nos momentos mais complicados.